Mês: fevereiro 2023

A tragédia Yanomami e a melhor resposta possível do Direito Penal

 Os advogados André Damiani e Vinícius Fochi foram destaques no Estadão

No Direito Criminal, quem tudo quer geralmente nada alcança. Ao norte do país, mais precisamente entre os estados do Amazonas e Roraima, habita o povo Yanomami, que sofre há anos com o avanço desenfreado do garimpo ilegal na região.

Para além da destruição florestal e poluição dos rios, principais fontes de subsistência da população local, o povo indígena é alvo de crimes bárbaros: homicídio, tortura, estupro de crianças, exploração sexual infantil, dentre outras atrocidades.

Como parte da resposta, o atual ministro da Justiça e Segurança Pública determinou que a Polícia Federal apure suposto crime de genocídio e omissão de socorro.

Ocorre que a imputação pelo crime de genocídio é de comprovação trabalhosa, em que pese este rótulo fomentar generosa repercussão nacional e internacional. Nessa modalidade, entretanto, há risco efetivo de que a maioria dos responsáveis nunca seja alcançada pelo Direito Penal.

De saída, para tipificação do crime de genocídio é necessário comprovar que o agente agiu com o dolo específico de “destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, nos termos do artigo 1º, da Lei 2.889/1956.

Além disso, é preciso demonstrar a perfeita causalidade entre a conduta do agente, comissiva ou omissiva, e o resultado. No caso da omissão, se faz necessário, ainda, identificar um dever legal atribuível ao delinquente, cujo desrespeito ensejou o resultado criminoso.

Bem por isso, considerando as informações já coletadas e a constatação de que o Poder Público dispõe de minguados recursos para a elucidação dessa tragédia, parece central a escolha da estratégia mais eficaz: os órgãos de persecução devem focar na responsabilização dos crimes de comprovação mais óbvia, tais como o garimpo ilegal, porte ilegal de arma de fogo, homicídio, estupro, dentre outros, transmitindo uma resposta célere à sociedade e, principalmente, ao povo Yanomami.

Aliás, a título de comparação, a pena de cadeia prevista para o crime de genocídio, na modalidade “matar membros do grupo”, é a mesma prevista para o crime de homicídio qualificado, ou seja, reclusão, de 12 a 30 anos.

Nada contra a apuração concomitante dos crimes de genocídio e de omissão de socorro. Todavia, no curto prazo, esta não deve ser a prioridade acusatória, uma vez que o genocídio do povo Yanomami será provado, com muita sorte e diligência, apenas contra uma pequena parcela dos criminosos.

Uma breve leitura das mais recentes e sangrentas páginas da História mundial reforça a necessidade de uma abordagem objetiva e pragmática. O genocídio ocorrido em Ruanda, em 1994, serve como alerta. No episódio, cerca de 800 mil pessoas foram massacradas em apenas 100 dias.

Buscando-se responsabilizações, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, por meio da Resolução 955, criou o Tribunal Penal Internacional para Ruanda, cuja competência abarcava, dentre outros delitos, o julgamento pelo crime de genocídio. Durante quase 21 anos de funcionamento (1994-2015) do Tribunal, 93 pessoas foram indiciadas pelos fatos ocorridos em Ruanda, mas apenas 61 foram condenadas.

Mesmo havendo condenações perante outras Cortes — a execução pública de 22 pessoas em Ruanda é prova disso — o número de responsabilizados pelo episódio é inexpressivo quando comparado à magnitude dos fatos criminosos sobejamente comprovados no assassinato de quase um milhão de pessoas.

Não bastasse o número irrisório de condenados, os julgamentos prolongaram-se por décadas; tudo a fortalecer o sentimento de injustiça e impunidade.

Para driblar semelhante destino, deve-se escolher com técnica a utilização racional do arcabouço jurídico disponível, levando-se em conta os efeitos sempre negativos da prestação jurisdicional tardia.

Fato é que o manejo do Direito Penal jamais poderá renegar a segundo plano uma análise estratégica quanto à eficiência probatória da acusação, sob pena de permitir a impunidade de centenas, talvez milhares, de infratores. Vale lembrar que, muitas das vezes, um “arroz com feijão bem-feito vende mais que caviar”.

*André Damiani, sócio-fundador do Damiani Sociedade de Advogados, é especialista em Direito Penal Econômico e LGPD

*Vinícius Fochi é advogado criminalista no Damiani Sociedade de Advogados

Cadê os R$ 20 bilhões que estavam aqui?

Os advogados André Damiani e Diego Henrique foram destaques no portal Monitor do Mercado

O início do ano de 2023 para o mercado financeiro brasileiro foi marcado por um fato histórico e inédito: a Americanas, uma das maiores varejistas do país, anunciou uma “inconsistência” contábil que ocultava, até então, um prejuízo aproximado de R$ 20 bilhões. Em poucos dias as ações da empresa listada em bolsa “derreteram” e a companhia perdeu quase 80% do seu valor de mercado. Pouco tempo depois a Americanas entrou com pedido de Recuperação Judicial.

Sob o aspecto econômico-financeiro, as consequências são devastadoras. E sob o aspecto jurídico-penal?

De um lado, tem-se falado de maneira bastante genérica em potencial fraude perpetrada pelos administradores da gigante varejista. De outro, é sabido que a CVM instaurou processo administrativo para investigar a ocorrência de “insider trading”, prática que configura tanto ilícito administrativo quanto penal.

Nesse sentido, o art. 27-D da Lei nº 6.385/79 comina pena de um a cinco anos de reclusão e multa de até três vezes o montante da vantagem ilícita obtida, para quem utilizar informação relevante de que tenha conhecimento, ainda não divulgada ao mercado, que seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiros, de valores mobiliários.

Ainda, incorre na mesma pena quem repassa informação sigilosa relativa a fato relevante a que tenha tido acesso em razão de cargo ou posição que ocupe em emissor de valores mobiliários ou em razão de relação comercial, profissional ou de confiança com o emissor. Bem por isso, o insider trading é prática desleal que pode colocar em risco o bom funcionamento da Bolsa de Valores.

Trocando em miúdos, o delito acontece quando alguém toma conhecimento de algum fato relevante antes de todo mundo, e se vale desta informação para negociar ativos no mercado e lucrar de maneira indevida. Isto porque, o insider consegue antecipar os movimentos do mercado com informações ainda desconhecidas do público, por exemplo, comprando antecipadamente uma ação cujo preço irá disparar quando a tal notícia relevante vier a público.
No caso da Americanas constatou-se que a quantidade de operações apostando na queda das ações da varejista (short) logo antes da divulgação do fato relevante que atordoou o mercado (a inconsistência contábil na ordem de R$ 20 bilhões), ocorrera em patamares muito elevados, dando indícios de que alguém já sabia da contaminação dos papéis.

Além disso, outras operações envolvendo as ações da Americanas (opções de venda e de compra) ocorridas pouco antes do fechamento do pregão que antecedeu a divulgação da “inconsistência” também chamaram a atenção de especialistas por um volume de movimentação anormal, muito acima da média.

Nesse cenário de operações atípicas, os próprios diretores da empresa já vinham há alguns meses vendendo sistematicamente os papéis da companhia, chegando a um total de mais de R$ 200 milhões em operações deste tipo desde o último semestre, comportamento este que, se comprovado, pode se constituir em indício de práticas criminosas diversas.

Nesse particular, não é raro que práticas contábeis pouco ortodoxas no âmbito empresarial acabem por sair do controle e configurar delitos variados ou, pior, sejam essas, na verdade, uma tentativa de maquiar os crimes perpetrados de forma deliberada.

De uma forma ou de outra, os ilícitos vão desde uma simples falsidade documental à famigerada lavagem de dinheiro, passando por crimes falimentares, contra o sistema financeiro e contra a ordem tributária, com penas que vão de um até dez anos de prisão de forma cumulativa, ou seja, somando-se a pena de cada crime cometido.

Dito isso, é preciso ressaltar que erros de contabilidade não configuram qualquer ilícito penal per si. Contudo, “inconsistências contábeis” no montante de R$ 20 bilhões carregam uma infinidade de questões a serem respondidas e, certamente, não foi o gato que comeu essa dinheirama.

*André Damiani, especialista em Direito Penal Econômico, sócio fundador do Damiani Sociedade de Advogados

**Diego Henrique, advogado criminalista, sócio do Damiani Sociedade de Advogados

Leia na íntegra

Bares, restaurantes, casas noturnas e de eventos devem se adequar a nova Lei de Proteção a mulheres em situação de risco

O governo do Estado de São Paulo aprovou a Lei n° 17.621/2023, que obriga bares, restaurantes, casas noturnas e de eventos a adotarem medidas de auxílio a mulheres em situação de risco.

A novidade buscou inspiração no protocolo Catalão “NO CALLEM”, apresentado ao mundo no episódio envolvendo o jogador Daniel Alves, acusado de ter agredido sexualmente uma mulher nas dependências de uma boate, em Barcelona.

A legislação determina que os referidos estabelecimentos comerciais adotem medidas efetivas que auxiliem e amparem rapidamente as mulheres que se sintam em situação de risco, seja em decorrência de uma agressão ou ameaça física, sexual ou psicológica; atual ou iminente.

Dentre as medidas previstas em lei estão: a capacitação dos funcionários do estabelecimento para que sejam capazes de identificar a situação de risco e prontamente intervir e auxiliar; a disponibilização de uma pessoa para acompanhar a mulher até o meio de transporte ou até a chegada da autoridade policial; a fixação de cartazes informando que o empreendimento está capacitado para atender mulheres que se sintam em situação de risco.

Vale lembrar, que o descumprimento das novas diretrizes pode gerar ao Empresário as sanções previstas no Código de Defesa do Consumidor, que vão desde multas, passando pela suspensão das atividades e interdição, até a cassação definitiva do alvará de funcionamento do estabelecimento comercial. Além disso, sempre caberá a propositura de uma eventual ação de indenizatório por parte da vítima.

Bem por isso, os referidos estabelecimentos comerciais devem buscar o auxílio de profissionais com experiência em projetos de conformidade e adequações legais, ou seja, compliance, minimizando, assim, o risco de sanções e promovendo o combate urgente da violência contra a mulher.

A tragédia Yanomamis e a melhor resposta possível do Direito Penal

No Direito Penal, quem tudo quer, nada alcança. Localizado ao norte do país, mais precisamente entre os estados do Amazonas e Roraima, está o povo Yanomami, que sofre há anos com o avanço desenfreado do garimpo ilegal na região.

Para além da destruição florestal e poluição dos rios, principais fontes de subsistência da população local, o povo indígena é alvo de crimes bárbaros: homicídio, tortura, estupro de crianças, exploração sexual infantil, dentre outras atrocidades.

Como resposta, o atual Ministro da Justiça e Segurança Pública, determinou que a Polícia Federal apure eventual crime de genocídio e omissão de socorro.

Ocorre que a imputação pelo crime de genocídio é complexa e de difícil comprovação, muito embora impactante e com grande repercussão nacional e internacional. Nessa modalidade, há risco efetivo de que os responsáveis nunca sejam alcançados pelo Direito Penal.

Bem por isso que a utilização racional das informações já conhecidas e dos escassos recursos públicos disponíveis para a elucidação dessa tragédia clamam pela estratégia mais eficaz: os órgãos de persecução devem focar na responsabilização dos crimes que tenham a sua comprovação mais madura, tais como o garimpo ilegal, porte ilegal de arma de fogo, homicídio, estupro, dentre outros, transmitindo uma resposta célere à sociedade e, principalmente, ao povo Yanomami.

Aliás, a título de comparação, a pena de cadeia prevista para o crime de genocídio, na modalidade “matar membros do grupo”, é a mesma prevista para o crime de homicídio qualificado, ou seja, reclusão, de doze a trinta anos.

Nada contra a apuração do crime de genocídio. Ocorre que esta não pode ser a principal cartada dos órgãos de persecução, uma vez que o genocídio será provado, com muita sorte, contra uma pequena parcela dos investigados. Vale lembrar que, muitas das vezes, um “arroz com feijão bem-feito, é mais valorizado que o caviar”.

Certo mesmo é que para além da imputação dos crimes mais banais, imprescindível a realização de uma ação sistêmica na região destinada a desarticular as estruturas do garimpo ilegal, mediante a apreensão de maquinários, armamentos e se bloqueando valores dos financiadores/beneficiadores destas organizações criminosas.

O ‘boa noite, Cinderela’ profissionalizado

O sócio fundador André Damiani e a advogada Lucie Antabi foram destaques no Estadão.

Revoltante. Nauseante. Por mais inacreditável que seja, são diversos os casos de médicos que se aproveitam da situação de vulnerabilidade de suas pacientes para abusar sexualmente delas.

No último dia 16 de janeiro, o anestesista colombiano Andres Eduardo Oñate Carrillo foi detido no Rio de Janeiro por uma ordem de prisão temporária pelo crime de estupro de vulnerável. Num primeiro momento, segundo consta, o anestesista teria estuprado duas pacientes sedadas, durante cirurgias.

Foi a partir de um inquérito da Vara Especializada em Crimes contra Crianças e Adolescentes, em que o anestesista é investigado por produzir e armazenar pornografia infantil, que a polícia identificou os abusos sexuais.

O delito de estupro de vulnerável, tipificado no artigo 217-A, §1º do Código Penal, caracteriza-se quando a violência é praticada contra vítima: a) menor de 14 anos; b) que possui enfermidade ou deficiência mental e não tem o necessário discernimento para a prática do ato; c) que não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência.

Em outras palavras, o legislador partiu da premissa de que nas hipóteses acima a vítima não possui condição de aceitar a relação sexual, pois seria incapaz para tanto. Assim, a violência do ato é presumida ante ausência de consentimento livre e consciente da vítima.

As vítimas foram sedadas pelo anestesista, ou seja, não estavam em condições de anuir à relação sexual, de se defender e tampouco opor qualquer tipo de resistência contra o abuso — permaneciam literalmente vulneráveis.

O Direito Penal impõe ao anestesista pena de 8 a 15 anos de reclusão por cada estupro cometido. Todavia, o processo é longo e permeado de nuances, de modo que a resposta penal nunca será imediata.

Dessa forma, compete ao CREMERJ (Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro) agir de forma urgente e preventiva. Isto porque, além da sindicância aberta contra o anestesista, requereu-se a interdição cautelar, com suspensão imediata do exercício da profissão.

Ressalta-se que após a apuração dos fatos pelo Conselho, um processo ético-profissional poderá ser instaurado para julgar o caso, ao fim do qual, se o médico for considerado infrator, poderá ser imposta a pena de cassação da licença para o exercício profissional.

Desse modo, o anestesista poderá ser condenado e penalizado tanto na esfera penal quanto na esfera administrativa, uma vez que ambas atuam de forma independente e autônoma.

Mais do que isso, não podemos ignorar que casos assim, infelizmente, são corriqueiros. Hoje, portanto, é imprescindível a adoção de medidas preventivas tanto dos hospitais públicos e privados quanto, prioritariamente, do próprio Conselho de Medicina.

*André Damiani, sócio-fundador do Damiani Sociedade de Advogados, é especialista em Direito Penal Econômico e LGPD

*Lucie Antabi, advogada no Damiani Sociedade de Advogados, é especialista em Direito Penal Econômico

Leia na íntegra

Reação a invasão `bolsonarista` em Brasília é mais severa que resposta contra `trumpistas` no Capitólio

O sócio Diego Henrique foi destaque no RTP Notícias, de Portugal

Um mês após `bolsonaristas` atacarem a capital do Brasil, procurando concretizar um golpe de Estado contra o Presidente Lula da Silva, as reações das autoridades brasileiras têm sido mais severas do que as respostas dadas aos invasores do Capitólio nos Estados Unidos.

Segundo quatro advogados criminalistas consultados pela Lusa, embora Brasil e Estados Unidos tenham sistemas de justiça distintos, no país sul-americano a reação aos ataques realizados pelo apoiantes do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro que em 08 de janeiro está a ser mais rápida do que a reação da justiça norte-americana à invasão do Congresso promovida por seguidores do ex-presidente Donald Trump.

“As medidas aqui tiveram que ser mais contundentes e fortes [no Brasil] porque enquanto nos Estados Unidos nunca houve um golpe de Estado, culturalmente isto é inadmissível, aqui no Brasil nós temos uma história de golpes de Estado,” explicou Fernando Augusto Fernandes, advogado criminalista e cientista político.

“Fora isso, houve [no Brasil] a possibilidade de corrosão das instituições, que foi muito mais grave”, acrescentou.

O advogado criminal Conrado Gontijo concorda com a decisão do Governo brasileiro de fazer uma intervenção no sistema de segurança do Distrito Federal e o afastamento do governador do mesmo estado, Ibaneis Rocha, determinado pelo Supremo Tribunal Federal, somados às investigações da Polícia Federal.

“As autoridades públicas incumbidas da responsabilização dessas pessoas também agiram e vêm agindo de forma bastante firme. A Polícia Federal, no dia seguinte, efetuou diversas prisões e vem ainda durante esses últimos dias, realizando diligências de investigação para identificar outras pessoas que participaram dos ataques dos atos de destruição, mas que não foram presos naquela ocasião”, frisou Gontijo.

“Ao longo dos últimos dias, temos observado a realização de diversas etapas de uma operação [da Polícia Federal] batizada de Lesa Pátria no âmbito da qual essas pessoas têm sido presas, identificadas. Há também uma preocupação muito grande de identificação dos financiadores, dos patrocinadores desses atos (…) no plano criminal, a Justiça tem funcionado de forma bastante célere e eficiente”, acrescentou.

O Supremo Tribunal Federal (STF), que teve sua sede vandalizada pelos `bolsonaristas` assim como a Presidência e o Congresso brasileiro informou, num balanço final divulgado em 20 de janeiro, que realizou 1.459 atas de audiência relativas a 1.406 apoiantes do ex-presidente que foram presos em Brasília depois dos atos de 08 de janeiro.

No total, 942 presos tiveram a detenção em flagrante convertida em prisão preventiva e 464 vão responder ao processo em liberdade.

Dois dias depois dos ataques, a Polícia Federal brasileira libertou cerca de 600 pessoas presas (mulheres, crianças e idosos) acusadas de participarem nos atos antidemocráticos.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) brasileira informou no sábado que pelo menos 653 suspeitos de participarem dos atos em 08 de janeiro já foram denunciados à Justiça.

Segundo um balanço divulgado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, mais de 950 pessoas, das mais de três mil apoiantes do ex-presidente Donald Trump foram presas desde a invasão do Capitólio ocorrida em 06 de janeiro de 2021.

 Deste total, 350 pessoas foram sentenciadas, e quase 200 receberam penas de prisão. Além disso, 484 participantes no ataque a sede do Congresso norte-americano admitiram culpa e iniciaram acordos judiciais, algo que não sucedeu no Brasil, segundo o criminalista Diego Henrique.

“Pelo que eu tive notícia o Ministério Público Federal através da Procuradoria-Geral da República não está oferecendo acordo de não persecução penal [confessar crime em troca de atenuar a pena] sob a justificativa de que não se pode tergiversar sobre crime de tamanha gravidade porque [os bolsonaristas] atentaram contra um bem jurídico muito importante, que é a estabilidade do Estado Democrático de Direito”, contou.

Henrique também lembrou que a Polícia Federal brasileira tem feito as investigações para identificar essas pessoas envolvidas nos ataques, que a Procuradoria-Geral da República criou um grupo especializado dedicado.

“O Poder Judiciário tem tomado as decisões sobre o caso sempre que provocado. Então, essas declarações de operação têm sido feitas medidas de busca e apreensão, decretação de prisões preventivas. A resposta do sistema punitivo foi muito eficiente”, avaliou o advogado.

“Nos Estados Unidos eu tenho a impressão, aqui, já fazendo paralelo, de que a situação foi parecida. Lá há um contingente maior de pessoas que estão respondendo a procedimentos criminais porque os factos são mais antigos e houve maior tempo para investigação e identificação dessas pessoas. Aqui [no Brasil] acho que o caminho será similar. Há ainda um processo de investigação em curso para que a maior quantidade possível desses criminosos seja identificada e, a partir disso, o processo deve tramitar de forma regular, respeitados os direitos de todas essas pessoas ao devido processo legal ou ampla defesa”, completou.

Segundo uma sondagem divulgada no começo de fevereiro pelo Poder Data, que ouviu 2.500 pessoa, mais da metade dos entrevistados (53%) considerou que a prisão dos `bolsonaristas` que participaram das manifestações em Brasília foi certa.

 Para 31%, só as prisões daqueles que foram identificados praticando vandalismo durante os atos de 8 de Janeiro foram corretas, 12% alegaram não saber responder enquanto 4% disseram que as prisões foram erradas.

Embora a maior parte da opinião pública e grande parte dos juristas interpretem a resposta das autoridades brasileiras aos ataques como severa, mas correta, também há no meio jurídico críticas às prisões dos `bolsonaristas` que participaram dos atos de 08 de janeiro.

A advogada constitucionalista Vera Chemin também considera que houve excesso nas prisões, tendo em conta o pouco tempo de investigação, e não é ainda possível se todos os detidos estiveram diretamente envolvidos no vandalismo de espaços públicos, porque as prisões foram feitas um dia depois dos ataques.

A advogada considerou que o movimento `bolsonarista` exercia seu direito a liberdade de reunião e expressão quando estavam na frente do quartel de forma pacífico sem enfrentar oposição clara do Exército até os ataques em Brasília.

“Nos Estados Unidos [após invasão do Capitólio] as pessoas que foram indiciadas e que já foram até sentenciadas foram obviamente enquadradas em determinados crimes por meio de vídeos que comprovaram quem cometeu ato ilícito, quais eram estas pessoas, se cometeram atos de violência (…) No Brasil os vídeos da mesma maneira comprovam quem ou quais foram aquelas pessoas que realmente cometeram atos de violência, quebraram vidros, invadiram prédios, depredaram património publico”, ponderou.

“Estes vídeos, claro, possibilitam investigação, uma futura denúncia e um futuro enquadramento seja [na esfera] civil ou criminal, mas penso que houve um exagero no caso brasileiro (…) aquele exército de pessoas que estavam lá no acampamento foi detido de forma generalizada. Não foram criados critérios seletivos para determinar se todas aquelas pessoas realmente deveriam ser presas em flagrante. Foram confinadas como se fossem uma boida [conjunto de bois] sem qualquer estrutura física de apoio. Esta é a minha restrição”, concluiu a advogada.

Leia na íntegra

10 anos do incêndio na boate Kiss: entenda o caso

A tragédia da boate kiss completou 10 anos. O incêndio que resultou na morte de 242 pessoas aguarda uma resposta definitiva da justiça, o que, para muitos, acaba reforçando uma sensação de impunidade.

Para contextualizar, em dezembro de 2021, o plenário do Tribunal do Júri condenou os 4 acusados por homicídio qualificado, com penas entre 18 e 22 anos de prisão. Entretanto, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu nulidades e defeitos apontados pela Defesa dos acusados e anulou a condenação, determinando-se a realização de novo julgamento.

Muito embora todos tenhamos direito à duração razoável do processo, ela não pode ser o fim em si, algo a ser perseguido a qualquer custo. O principal objetivo da justiça deve ser a melhor prestação jurisdicional, com o respeito as garantias fundamentais de cada cidadão, e não apenas o tempo.

De mais a mais, quando a acusação tomou o caminho da imputação de crime intencional, ela própria assumiu o risco de um processo moroso por conta de um rito especial, justamente em razão das severas penas cominadas aos crimes dolosos contra a vida. Aliás, hoje, o fato que impede a designação de novo Plenário é justamente a pendente apreciação de um recurso da acusação, no STJ.

Ora, num Estado Democrático de Direito, não podemos falar em impunidade antes do trânsito em julgado da ação. Vale lembrar, que no processo penal o que gera impunidade é a repetição de atos processuais, tais como audiências, por conta do reconhecimento de violações e abusos. Pois bem, quando há respeito a direitos e garantias fundamentais, o processo flui com naturalidade até o final, quando há excessos, é dever dos Tribunais anular, sustar ou fazer retroceder a marcha processual.

Fato é que a duração razoável do processo dever ser perseguida por todo operador do direito, e não apenas por uma das partes. Mais importante que um processo célere, é um processo justo.

Scroll to top