Impedir réu foragido de participar de interrogatório fere direito a ampla defesa

O sócio fundador André Damiani foi destaque no Conjur:

Mesmo uma rápida pesquisa jurisprudencial em sites especializados mostra que o conceito de “renúncia tácita” ao direito de defesa de um réu, em casos de mandado de prisão em aberto, é citado algumas dezenas de vezes em juízos de primeira instância, tribunais colegiados e no Superior Tribunal de Justiça, mesmo sem previsão legal. Com algumas exceções, os casos sobem ao Supremo Tribunal Federal, que tem adotado posição favorável ao réu.

O tema engrossa a fileira de disputas jurídicas que opõem legislação e percepções morais dos magistrados.

Em caso recente, o ministro Luiz Edson Fachin assegurou o direito de um réu acusado de associação ao tráfico — e que se encontra foragido — de ser ouvido por meio de videoconferência. No processo (HC 233.191), consta que o acusado, durante audiência de instrução, recebeu link para participar da conferência eletrônica. O juízo de primeiro grau, no entanto, negou pedido do advogado de defesa para que seu cliente fosse interrogado e utilizou o conceito de “renúncia tácita” à defesa, alegando que a oitiva do réu é incompatível com sua condição de foragido. 

Fachin reverteu a decisão derrubando sentença monocrática do STJ que indeferiu liminarmente o pedido, invocando a Súmula 691 do próprio STF (“Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de Habeas Corpus impetrado contra decisão do relator que, em Habeas Corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.”). A liminar de Fachin foi confirmada nesta terça-feira (30/10) na 2ª Turma por maioria, ficando vencido o voto do ministro Nunes Marques.

No voto referendado pela Turma, Fachin afasta a argumentação de primeiro grau que evocou a “renúncia tácita” e diz que, por si só, a argumentação é contraditória, posto que foi o réu foragido que procurou o juízo para prestar depoimento.

“O fato de o paciente não se apresentar à Justiça para cumprimento de seu mandado de prisão não implica renúncia tácita ao direito de participar da audiência virtual ou dos demais atos processuais, nem ao direito de defesa. Em verdade, a relação de causa e efeito estabelecida pela autoridade coatora entre réu que não se apresenta para a prisão cautelar e renúncia ao direito de defesa não está prevista em lei.”

À revista eletrônica Consultor Jurídico, advogados e advogadas criminalistas dizem que, por vezes, há interpretações éticas e morais sobre o direito à ampla defesa que vão de encontro aos princípios consagrados na Constituição brasileira. Outro ponto citado é que suprimir a possibilidade de oitiva do réu, somente pelo fato de estar foragido, configura cerceamento de sua defesa. 

(…)

O advogado André Damiani, sócio-fundador do Damiani Sociedade de Advogados, diz que “causa surpresa o emprego da expressão ‘renúncia tácita à defesa'”. “[O termo] representa mero estratagema retórico para tentar fazer prevalecer o punitivismo irracional que não encontra qualquer respaldo em nosso ordenamento jurídico.”, diz Damiani.

Ele argumenta ainda que, nos casos citados, não houve trânsito em julgado do processo, ou seja, a própria presunção de inocência fica prejudicada a partir do conceito de “renúncia tácita”.

“É por isso que o entendimento que vem sendo adotado pelo Supremo é no sentido de que a fuga não justifica agravar a perseguição estatal contra o acusado. Tanto é assim que não há qualquer tipo de pena prevista no Código Penal pelo ato de ‘fuga’, apenas pelo ato de quem empresta ‘auxílio à fuga’ de terceiro. Ora, não se trata de defender o direito de fugir, e sim de lutar em liberdade pela revogação de uma prisão cautelar que se repute injusta.”

Leia na íntegra.

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