CRIAÇÃO DE TIPO PENAL NÃO ACABA COM A VIOLÊNCIA CONTRA MULHER

A sócia Mayra Maloffre Ribeiro Carrillo e a advogada Lucie Antabi comentam acerca do novo tipo penal de violência doméstica psicológica inserido no Código Penal

A cada dois minutos uma mulher é agredida no Brasil, levando o país à quinta colocação entre os que mais matam mulheres no mundo.[1] Além disso, de acordo com o levantamento realizado pelo Datafolha em fevereiro de 2020, por encomenda da ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) para avaliar o impacto da violência contra as mulheres no Brasil, mais da metade delas (52%), mesmo sofrendo violência física ou psicológica, não denunciou o agressor e tampouco procurou ajuda.[2]

Com o fim de combater o significativo aumento de casos de violência doméstica nos últimos tempos, em junho de 2020 o Conselho Nacional de Justiça, em parceria com a Associação dos Magistrados Brasileiros, criou o Programa Sinal Vermelho.

Trata-se de uma campanha que visa disseminar a ideia de que uma mulher, vítima de violência doméstica, desenhe um “X” — de preferência na cor vermelha — em sua mão ou em outro lugar perceptível, para que um terceiro possa acionar a polícia em nome da vítima. [3]

A campanha virou lei, sancionada em 28.07.2021, pelo presidente Jair Bolsonaro (Lei 14.188/2021), trazendo algumas inovações legislativas no combate à violência contra a mulher, dentre elas o aumento de pena no crime de lesão corporal contra mulher, por razões da condição de sexo feminino, e, enfim, a inserção do tipo penal de violência psicológica contra mulher no Código Penal. Vale destacar que as mulheres estão suscetíveis a diversas formas de violência, dentre elas a violência física, a manipulação financeira e emocional, bem como os abusos psicológicos, sendo esta a forma de violência mais presente.

Dando ênfase à inserção do crime de violência psicológica contra a mulher no Código Penal, assim restou tipificado no artigo 147-B: “Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação.”

Desse modo, aquele que causar dano emocional que perturbe ou prejudique o desenvolvimento mental, degrade ou controle ações e comportamentos poderá ser responsabilizado penalmente. Isto apenas na hipótese de o infrator praticar o crime com o fim específico de causar dano emocional à vítima.

Ressalta-se, ainda, que a ocorrência do crime deve ser baseada em razões de gênero. Ou seja, não basta o crime ser praticado contra mulher no âmbito doméstico ou familiar, exige-se que a motivação do acusado seja de gênero, ou que a vulnerabilidade da ofendida seja decorrente da sua condição de mulher.

No entanto, tendo em vista que o crime deixa vestígios — o próprio dano emocional à saúde da mulher —, necessário se faz a comprovação da materialidade, por meio da realização de exame de corpo de delito, mais precisamente, de perícia psicológica.  

Evidentemente, a inserção do crime de violência psicológica contra a mulher no Código Penal é uma forma de evitar que o agressor saia ileso, assegurando-se o direito à liberdade individual da vítima. No entanto, é notório que tão somente a inovação legislativa não afasta a necessidade de políticas públicas tanto para evitar a agressão quanto para auxiliar e incentivar as mulheres, vítimas de violência, a denunciar e procurar ajuda, tendo em vista que muitas vezes diante da vulnerabilidade, do medo e da ameaça estas se quedam inertes.

*Mayra Maloffre Ribeiro Carrillo, sócia do Damiani Sociedade de Advogados, é advogada criminalista, especializada em Direito Penal Econômico e Europeu

**Lucie Antabi é advogada criminalista no Damiani Sociedade de Advogados


[1] Pesquisa realizada pelo Fórum Nacional de Violência Pública https://www.saopaulo.sp.gov.br/ acesso em 02.09.21

[2] https://forumseguranca.org.br/ Acesso em 30.08.2021

[3] A identificação do sinal poderá ser feita pessoalmente em repartições públicas e entidades privadas que participem do programa. E atendentes dessas organizações poderão encaminhar a vítima ao sistema de segurança pública.

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